terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Triste rotina

      Passa feito trem bala, suas mãos suam, seus olhos lacrimejam. Não tem culpa do acontecimento. Sem querer esbarra na bolsa de uma mulher e ela grita.
     Logo um tumulto se forma na região. As pessoas desatentas começam a chorar de medo. Alguns berram "bala perdida, bala perdida!" Nada acontece.
   - Ladrão! Pega ladrão! - grita o moço na esquina.
   Corre feito máquina e agora chora lágrimas de luz. Sua expressão medrosa só piora a situação. Ao longe alguém grita "está ali, logo atrás da banca de tomates". A multidão corre.
   Chora, implora, reza. A multidão se aproxima. Aperta com força a medalhinha que sua mãe dera a ele quando era bem pequeno. Pensa com fé "preciso de luz, quero luz".
   Nesse momento uma bala o atinge. O remédio que estava em sua mão voa para longe. Ele cai aos poucos no chão, tomba ao lado de seu pai, o vendedor de frutas.
   O pai diz, com muito esforço:
   - Ele não fez nada, não há nada com ele. Eu estava agonizando, pedi a ele que fosse comprar meu remédio. E vejam só! Mataram-no! Como puderam? É apenas uma criança. - ele respira com dificuldade - O que pensaram? Que ele roubava a bolsa de uma das madames sem escrúpulos? Sinto... - não consegue mais dizer nada. Respira mais uma vez o ar fedorento ao seu redor.
   - Pai, olhe para mim. - disse o menino tristemente alegre - Veja, agora tenho a luz que precisava, cheguei a tempo para vê-lo vivo. Não importa se irei morrer, tenho você comigo - as lágrimas do menino brilhavam feito diamantes.
   - Ora criança, não diga isso! Não morreremos! Viveremos para fazer justiça!
   Era tarde demais, o corpo do menino aos poucos se cansava e o do pai o acompanhava. O policial virou as costas e partiu, como se não tivesse participado de um crime. Afinal, criminoso é aquele para o qual ele aponta o seu dedo.
   A multidão se culpa. Vê tudo como mais um capítulo de uma novela sem fim. Alguém diz "veja o que fez moça, você começou isso tudo. Ele está morto! Morto!"
   Estavam mortos, os dois. Seus corpos jogados entre a bagunça na feira. E sabe-se lá quanto tempo continuariam ali. Até que suas carcaças apodrecessem e os culpados os esquecessem. Culpados? Quem disse que existiram? A vida continuaria normalmente, num ciclo vicioso e cansativo, onde nem mesmo os mais radiantes olhares seriam capazes de controlar o passado, o presente e o futuro de uma sociedade!

Lígia G. V.

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